O presente trabalho tem como objetivo abordar um tema que de imediato nos remete a um modismo, mas trata-se de um tema tão antigo quanto o preconceito que o cerca, que é a adoção por casais homossexuais. Antigamente o objetivo era a perpetuação da família a concentração e transmissão do patrimônio e consistia na união de um homem e uma mulher através do casamento. Esse contexto todo influenciou a edição do Código Civil de 1916, que só dava direitos ao relacionamento matrimonial. Nessa concepção, mesmo os casais casados, que não podiam ter filhos sofriam humilhações e eram discriminados pela incapacidade de gerar seus próprios filhos. Filhos tidos fora do casamento também eram considerados “bastardos”, ilegítimos sofrendo restrições, inclusive, sucessórias. Com o passar dos tempos e com a evolução da espécie humana a família vem sofrendo alterações em sua estrutura e surgem novas configurações familiares. Conforme legislação, não há impedimento para que uma pessoa homossexual adote uma criança. No seu art. 42, o ECA menciona que a adoção pode ser realizada tanto por homem quanto por uma mulher, de forma conjunta ou não, estando ausente a necessidade de enlace matrimonial. Diferentemente de alguns pontos de vista sobre a homossexualidade, para a psicanálise esta seria uma orientação diferenciada do padrão imposto e construído sociologicamente ao longo do tempo. Segundo o psicanalista Sérgio Laia não há diferença entre a adoção por casais homossexuais e heterossexuais: “[...] a adoção de crianças por pessoas homossexuais ou nos casamentos homoafetivos não apresentaria diferenças com relação àquelas realizadas por casais heteroafetivos. Poderiam, então, ser utilizados os mesmos procedimentos e orientações que guiam qualquer processo de adoção: é importante garantir a estabilidade da criança a ser adotada, proporcionando-lhe não apenas uma “casa” ou a “sobrevivência pela satisfação de suas necessidades”, mas o que chamamos comumente de “um lar” e “uma vida”. No âmbito da Psicanálise, essas orientações e esses procedimentos sequer se diferenciariam daqueles que se espera da família em geral” (LAIA, 2008, p. 32). A psicanálise analisa o desejo do casal em querer a criança como filho, verificando se o desejo vem acompanhado da responsabilidade por esse ato.Ainda segundo esse autor: “Afinal, quando alguém decide se tornar pai ou mãe, um desejo de adoção coloca-se em ato. A adoção é uma declaração pública que diz sim à responsabilidade de sustentar um processo particular de filiação. Devemos, portanto, averiguar, em cada situação, se a declaração “quero essa criança como filho (a)” comporta efetivamente o consentimento com uma responsabilidade, se há mesmo quem responda por este desejo e se, por isso, ao ser o desejo de alguém, não é anônimo, mas um desejo particular de sustentar, na lida com a criança, as funções paterna e materna” (LAIA, 2008, p. 32).Para a psicanálise para que uma criança se estruture é necessário as funções: paterna e materna, e estas não necessariamente precisam ser desempenhadas por um homem e uma mulher,pois não é no campo da anatomia que essas funções se decidem.Resumidamente a função materna seria os cuidados para com a criança e a função paterna seria a “lei”,assim ,a partir da psicanálise e da visão de Lacan essas funções processam-se pela contingência do desejo de exerce-las.No âmbito jurídico ,algumas jurisprudências vem acolhendo a adoção por casais homossexuais. Vejamos uma decisão a esse respeito, proferida na Apelação Cível nº 70.013.801.592 no TJ/RS:APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. Finalizamos com as palavras de Maria Berenice Dias: Amor não tem sexo. Esta, ainda que pareça ser uma afirmativa chocante, é absolutamente verdadeira. O amor não tem sexo, não tem idade, não tem cor, não tem fronteiras, não tem limites. O amor não tem nada disso, mas tem tudo. Corresponde ao sonho de felicidade de todos, tanto que existe uma parcela de felicidade que só se realiza no outro. Ninguém é feliz sozinho. Como diz a música, é impossível ser feliz sozinho, sem ter alguém para amar!