A BRECHA DO ART 7º INC. XIII CF QUE ESCRAVIZA OS MENOS AFORTUNADOS
Dayane CANDATTEN
Renato Luiz de Avelar BANDINI
Resumo
Imagine você, caro leitor, em pleno século XXI, trabalhar exatamente todos os dias da semana, do mês e quiçá do ano, sem desfrutar de nenhum dia de descanso semanal, e como se já não fosse bastante árduo esse emprego, ainda teria uma carga horária de 12 horas por dia. É inacreditável que nos dias de hoje existam contratos celebrados dessa forma, e o mais impactante, que é permitido o registro em carteira. Essa situação ocorre com o trabalhador que têm dois empregos, celebrados por contrato de escala 12x36, ou seja, um dia de trabalho e um dia de descanso, contudo o trabalhador que tem dois serviços nessa escala acaba trabalhando sem descanso, pois no dia em que deveria estar de folga em um emprego, está trabalhando no outro, tornando assim a sua rotina diária de labor. Todos os direitos conquistados pelos trabalhadores, ao longo de tantos anos estão sendo ignorados. Basta lembrar-nos que nos primórdios do séc XVIII, com a explosão no setor Industrial os empregados eram obrigados a trabalhar mais de 16 horas por dia em condições insalubres e somente após as grandes manifestações da classe operária, que foram surgindo leis que garantiriam a devida proteção aos trabalhadores, até que finalmente, no Brasil, foi estabelecido a jornada máxima de trabalho em oito horas. A fixação das oitos horas como sendo a ideal, surgiu com a Filosofia das Três Oito horas e fundamenta-se no princípio que para se ter qualidade de vida é necessária uma boa administração do tempo do indivíduo, e o ideal seria que o dia fosse dividido em três períodos, sendo: oito horas para o trabalho, oito horas para o lazer, oito horas para o sono. “A Filosofia dos Três Oitos resultou de vários estudos da Organização Mundial de Saúde em cooperação com países da Europa Ocidental, na busca de uma política de Saúde Pública de prevenção do esgotamento físico e mental, impostos pelo ritmo de vida moderno e pressões do sistema econômico e empresarial atual, e que contribuem para uma alta incidência de doenças, tais como: problemas cardíacos, neurose ocupacional (causada por ambiente de trabalho hostil ou absorvente), hipertensão arterial, derrames cerebrais, etc. Os Três Oitos representam a divisão do dia de vinte e quatro horas em três períodos de atividade: oito horas para o trabalho, oito horas para o lazer, oito horas para o sono. As oito horas de trabalho podem ser intercaladas com um intervalo de três horas para descanso e lazer no meio do dia, ficando as outras cinco horas de lazer para o final da jornada de trabalho. Ou ainda, o sono pode ser dividido em sete horas de sono noturno e uma soneca de uma hora durante o dia.” DRA. GRAÇA MARQUES (Presidente do NACAPAN, instituição fiilantrópica que trabalha para promover Educação que Salva Vidas) Em uma pesquisa realizada pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), vislumbra-se as maiores cargas horárias trabalhada em diversos países, são esses: 1 – México: 9 horas 54 min por dia 2 – Japão: 9 horas 3 – Portugal: 8 horas 48 min 4 – Canadá: 8 horas 37 min 5 – Estônia: 8 horas 36 min 6 – Áustria: 8 horas 29 min 7 – China: 8 horas 24 min 8 – Nova Zelândia: 8 horas 18 min 9 – Estados Unidos: 8 horas 16 min 10 – Eslovênia: 8 horas 15 min Atenta-se para o fato de que em nenhum dos países citado acima, temos uma média da carga horária a que estamos aceitando aqui no Brasil, a de 12 horas por dia, vale notar que até mesmo no Japão a pesquisa revela que a média de trabalho é de 9 horas, e com um salário de 800 ienes por hora, aproximadamente 4.200 reais por mês, diferente do que está acontecendo aqui no Brasil. Essa triste realidade está se tornando cada vez mais comum nas empresas que prestam serviços terceirizados no setor de limpeza e segurança particular. As empresas visam somente o lucro e fazem “vista grossa” para o caso de o candidato já estar laborando em outra empresa, e o contrata mesmo assim, fazendo com que o obreiro trabalhe exatamente todos os dias da semana doze horas por dia. O que acontece em nosso país é o aproveitamento de uma brecha na legislação, pois o art 7º inciso XIII CF discorre: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Sendo assim, as empresas aproveitam-se da falta de especificação do texto de lei para passar por cima do bom senso, e celebram mais de um contrato com cargas horárias de 12x36, fadando o diligente a laborar 12 horas por dia, todos os dias, sem ter direito ao descanso semanal previsto em lei. Na trecho “acordo e convenções” do art. 7º inc. XIII CF, nos leva a entender que empregado e empregador poderão negociar como serão compensadas as 44 horas semanais, e não que TODOS os tipos ou formas de acordos ou convenções trabalhistas serão legitimas, basta ter discernimento para saber que laborar todos os dias sem ter uma folga pode causar em qualquer um o esgotamento físico, mental e essas situações podem ser irreversíveis. É pacífico na Justiça do trabalho que a jornada 12x36 firmada mediante acordo ou convenção é admissível visto que, o mesmo trabalhará suas 44 horas dentro da semana um dia sim e outro não conforme súmula 444 do TST “JORNADA DE TRABALHO. NORMA COLETIVA. LEI. ESCALA DE 12 POR 36. VALIDADE. - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e27.09.2012 - republicada em decorrência do despacho proferido no processo TST-PA-504.280/2012.2 - DEJT divulgado em 26.11.2012 É valida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas.”. Contudo, não se mostra razoável permitir que o trabalhador tenha dois registros na carteira com a mesma escala 12x36 pois, se for o caso, o empregado trabalhará ao final da semana 88 horas, o dobro previsto em lei, e sem direito a descanso semanal. Constata-se também no art 7º inc. XXII da CF a clara intenção do legislador em resguardar e garantir o bom estado físico e psíquico do trabalhador, quando o mesmo discorre: “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;” Portanto, sabendo que a vida digna, é uma condição indissociável, e uma garantia básica prevista em nossa Constituição cidadã é dever essencial do Estado, intervir nessas relações de trabalho indecorosas, e assegurar que o trabalhador tenha um ofício honesto sem perder o seu bem mais precioso: a saúde. Sendo assim, não parece sensato deixar que a falta de oportunidade e a necessidade tornem–se as principais armas daqueles que querem lucrar a qualquer custo, nem que pra isso seja necessário comprar mais da metade da vida do empregado, o que é impagável. As grandes empresas aproveitam–se das condições miseráveis em que a maioria da população vive para se ater de mão de obra barata obtendo em troca o lucro e serviço pesado. Os salários que são pagos pelas empresas terceirizadas na maioria das vezes não ultrapassam dois salários mínimos, os benefícios ofertados aos funcionários também são radicados. O grau de instrução de quem procura dois empregos nessa escala 12x36 nos deixa claro que são aqueles menos afortunados que por falta de oportunidade se obrigam a aceitar as vagas por um baixo salário e condições insalubres e se submetem a tanto para acrescentar na renda da família. Para Michel Foucault a humanidade só trabalha perante a ameaça de morte, qualquer população que não encontre novos recursos está voltada à extinção e, inversamente, à medida que os homens se multiplicam, empreendem trabalhos mais numerosos, mais difíceis e menos fecundos. O trabalho deve crescer de intensidade quanto maior for a ameaça de morte e, por todos os meios, terá de se tornar mais rentável, quanto menos acesso as subsistências existirem. Ou seja, é injusto que o Estado não se preocupe com essa nova situação que aos poucos se instaura em nossa sociedade e aos poucos escraviza os mais necessitados.